quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

Princípios gerais do Direito Processual Penal (noções introdutórias)

Autor: Luiz Flávio Gomes;

Segundo clássica lição de v.Liszt/Schmidt (Lehrbuch des Deutschen Strafrechts, t. 1, Einleitung und Allgemeiner Teil, 26ª ed., ed. 1932, p. 1, n. 1) o ius puniendi (direito de punir do Estado) possui três momentos: (a) direito de ameaçar com penas (direito de cominar penas por meio de lei); (b) direito de impor tais penas e (c) direito de executá-las.

O primeiro é chamado de ius puniendi em abstrato; o segundo de ius puniendi em concreto. O primeiro nasce quando a lei penal entra em vigor; o segundo surge quando há violação efetiva da norma penal, com afetação concreta (lesão ou perigo concreto de lesão) do bem jurídico protegido por ela.

EM QUE CONSISTE O PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL (CF, ART. 5º, LIV)?

No Brasil ninguém pode ser privado de sua liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal (CF, art. 5º, LIV).
Segundo clássica lição de v.Liszt/Schmidt (Lehrbuch des Deutschen Strafrechts, t. 1, Einleitung und Allgemeiner Teil, 26ª ed., ed. 1932, p. 1, n. 1) o ius puniendi (direito de punir do Estado) possui três momentos: (a) direito de ameaçar com penas (direito de cominar penas por meio de lei); (b) direito de impor tais penas e (c) direito de executá-las.
O primeiro é chamado de ius puniendi em abstrato; o segundo de ius puniendi em concreto. O primeiro nasce quando a lei penal entra em vigor; o segundo surge quando há violação efetiva da norma penal, com afetação concreta (lesão ou perigo concreto de lesão) do bem jurídico protegido por ela.
De qualquer modo, o Estado não pode impor nem executar a pena ou a medida de segurança sem o devido processo legal.
O devido processo legal (due process of law) possui duas dimensões: (a) devido processo legal substantivo ( que se exprime no princípio da razoabilidade ou proporcionalidade) (cf. neste site o artigo inviolabilidade dos vereadores); (b) devido processo judicial (ou procedimental), leia-se, todo processo deve se desenvolver conforme a lei (seguindo rigorosamente os ditâmes da lei).
Esse devido processo procedimental comporta várias sub-espécies: devido processo administrativo, devido processo constitucional, devido processo trabalhista etc.. Dentre elas, importa destacar neste nosso curso o devido processo "penal", que se biparte em: r
(a) devido processo penal clássico, que é observado nas infrações graves, que exige: inquérito, denúncia, processo, provas, ampla defesa, contraditório, sentença, recursos etc. r
(b) "novo" devido processo consensual, que é seguido nas infrações de menor potencial ofensivo (Lei 9.099/95 e 10.259/01): não há inquérito policial, sim, termo circunstanciado, não há denúncia, sim, proposta de transação penal, não há pena de prisão, sim sanções alternativas etc.

Conceito de processo e de procedimento: processo externamente é o conjunto de atos que se sucedem visando à solução de um litígio. A ordem desses atos, a seqüência que seguem, chama-se procedimento. Internamente o processo é uma relação jurídica triangular, da qual participam necessariamente: autor (ministério público ou ofendido), acusado (com dezoito anos ou mais) e juiz (devidamente investido em suas funções).

EM QUE CONSISTE O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE OU RAZOABILIDADE?

Denominações: fala-se em princípio da proporcionalidade (segundo a doutrina alemã) ou razoabilidade (consoante a doutrina americana) ou da proibição de excesso (conforme a doutrina constitucionalista): as três denominações expressam o mesmo conteúdo.
O princípio da proporcionalidade (ou da razoabilidade ou da proibição do excesso) é princípio geral do Direito. É válido para todas as áreas: penal, processual penal, administrativo etc.. No nosso país tem fundamento constitucional expresso (CF, art. 5º, LIV), porque nada mais representa que o aspecto substancial do devido processo legal. Logo, é princípio constitucional geral do Direito.
Vem sendo reconhecido na atualidade por todas as Cortes Internacionais (européia, interamericana etc.) porque faz parte dos Tratados ou Convenções internacionais. Por força do art. 5º, § 2º, CF, recorde-se que "os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte".
De acordo com o STF o princípio da proporcionalidade está previsto no art. 5º, inc. LIV, que cuida do devido processo legal que, como vimos, conta com duplo sentido: r
(a) judicial due process of law (fair trial/judicial process) (devido processo procedimental): todos os processos, todas as atividades persecutórias devem seguir as formalidades legais e respeitar estritamente as garantias do devido processo legal;
(b) substantive due process of law (devido processo legal substantivo): a criação dessas regras jurídicas também possui limites. O legislador deve produzir regras "justas". Segundo Ferrajoli a produção legislativa tem limites formais e substanciais: não só deve seguir o procedimento legislativo como deve ser proporcional, equilibrada.
Mas o princípio da proporcionalidade não rege exclusivamente os atos do Poder Legislativo. Na verdade, nenhum ato do poder público pode ser arbitrário. Em outras palavras, todos os atos públicos devem ser regidos pela razoabilidade ou proporcionalidade (princípio da proporcionalidade ou proibição do excesso).
Origens do princípio: o princípio da proporcionalidade deita raízes em séculos passados. Na história recente recorde-se que até metade do século XX, na Alemanha, ele tinha o sentido de limite ao poder de polícia (Politzei-recht); depois da 2ª Guerra Mundial passou a ser concebido como princípio de direito constitucional que limita toda atuação do poder público. Em 1971, na Alemanha, é reconhecida pela primeira vez a inconstitucionalidade de uma lei com base no princípio da proporcionalidade. No Brasil isso já tinha ocorrido em 1951.
Efeito prático no direito brasileiro: permite o controle de constitucionalidade das leis, dos atos administrativos bem como dos jurisdicionais. Cumpre portanto a função de critério aferidor da constitucionalidade de todas as restrições aos direitos fundamentais.
Mas pode o juiz julgar inconstitucional uma lei com base no princípio da proporcionalidade? A resposta é positiva segundo o STF, que já fez isso em várias oportunidades, salientando que o art. 5º, inc. LIV, da CF, admite os dois sentidos do devido processo legal: o formal ou procedimental e o material: cf. RE 18.331, relator Orozimbo Nonato (1951), ADIns 966-4 e 958-3 (Moreira Alves), ADIN 1.158-8 (Celso de Mello, 1994) etc.
No âmbito criminal parece oportuno sublinhar a decisão do STF, no HC 45.232, j. 21.02.68, relator Themístocles Cavalcanti: dizia o DL 314/67, antiga LSN, no seu art. 48, que o recebimento da denúncia implicava suspensão da profissão ou emprego ou atividade privada do acusado, até sentença absolutória. Essa regra foi julgada inconstitucional pelo STF por violar o princípio da razoabilidade.
O exame de DNA, noutro julgado, foi refutado porque irrazoável (STF, HC 76.060-4, Sepúlveda Pertence, DJU de 15.05.98, p. 44)
No que concerne a todas as medidas restritivas de direitos fundamentais (prisão cautelar, quebra de sigilos etc.) o princípio da proporcionalidade cumpre papel de relevância indiscutível e exige: r
(a) dois pressupostos: 1º) legalidade; 2º) justificação teleológica da medida;
(b) em alguns casos: dois requisitos extrínsecos: 1º) judicialidade (autorização judicial); 2º) motivação;
(c) três requisitos intrínsecos: 1º) idoneidade (ou adequação); 2º) necessidade (intervenção mínima); 3º) proporcionalidade em sentido estrito (ponderabilidade).
Só é possível a aplicação do princípio da proporcionalidade em favor do réu (pro-reo). Contra o réu, apesar de alguns julgados do STJ, é impossível.

EM QUE CONSISTE O PRINCÍPIO DA INICIATIVA DAS PARTES (OU "NÃO HÁ PROCESSO SEM AÇÃO")?

O juiz não pode agir de ofício. Ne procedat iudex ex officio ou Nemo iudex sine actore. r
Fundamento: está no processo tipo acusatório. O princípio em destaque decorre do processo tipo acusatório que emana da Constituição Federal e que distingue as funções de investigação, acusação, defesa e julgamento. Quem investiga é um órgão (polícia, em regra), quem acusa é outro (o dono da ação penal pública é o MP - CF, art. 129, I -; o dono da ação penal privada é o ofendido - CPP, art. 30), quem defende é o advogado (com habilitação técnica) e quem julga é o juiz.
Historicamente há três tipos de processo: (a) inquisitivo (nele uma só pessoa desempenha os vários papeis de investigar, acusar, julgar e executar); (b) processo misto (fase inicial de investigação da polícia ou do MP sob a regência do juiz; acusação e julgamento; nos Juizados de Instrução é assim que funciona); (c) acusatório (as funções de investigar, acusar, defender e julgar são atribuídas a pessoas distintas).
Este terceiro modelo foi adotado no Brasil, porém, não na forma radical. Há flexibilizações: o juiz tem algum poder de iniciativa: de provas, de requisitar inquérito policial, de decretar preventiva, de conceder habeas corpus etc.
Como decorrência do princípio da iniciativa das partes: (a) o juiz não pode julgar além ou fora do pedido (ne eat iudes ultra petita partium); (b) não pode prejudicar o réu quando somente ele recorreu (proibição da reformatio in peius) etc.

EM QUE CONSISTE O PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL?

É composto de dois aspectos:

(a) Juiz natural é o juiz competente para a causa (CF, art. 5º, inc. LIII); r
(b) Está proibido pela Constituição Federal a criação de Tribunal ou Juízo de Exceção (CF, art. 5º, inc. XXXVII).

EM QUE CONSISTE O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO (CF, ART. 5º, INC. LV)?

Consiste na possibilidade de contraditar argumentos e provas da parte contrária (CF, art. 5º, inc. LV). Audiatur altera parte.
Pressuposto do contraditório: é o direito de ser informado da acusação e de todos os atos processuais.
É o contraditório que fundamenta a existência da defesa, isto é, que a torna efetiva. Por força do princípio da ampla defesa, por seu turno, quer a CF que ela seja plena, a mais abrangente possível.
O contraditório pode ser imediato (direto) ou diferido.
Contraditório imediato: ocorre quando a prova é produzida sob o império do contraditório (ex.: oitiva de testemunhas). Mas existem provas que são produzidas sem o contraditório imediato: são as chamadas provas cautelares (ex.: provas periciais).
Essas provas (cautelares) admitem tão-somente o contraditório diferido ou seja, adiado; o contraditório é postergado para fase ulterior do processo.
Não existe contraditório na fase da investigação.

EM QUE CONSISTE O PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA (CF, ART. 5º, INC. LV)?

Contém duas regras básicas:

(a) possibilidade de se defender (que compreende a autodefesa e a defesa técnica). Dispõe o art. 261 do CPP que "nenhum acusado, ainda que ausente ou foragido, será processado ou julgado sem defensor". Complementa o art. 263: "Se o acusado não o tiver, ser-lhe-á nomeado defensor pelo juiz, ressalvando o seu direito de, a todo tempo, nomear outro de sua confiança, ou a si mesmo defender-se, caso tenha habilitação".
(b) possibilidade de recorrer (CF, art. 5º, inc. LV).


A defesa tem que ser ampla (diz a CF). Defesa ampla é a mais abrangente possível. Não pode haver cerceamento infundado, sob pena de nulidade do processo. Segundo a súmula 523 do STF: "No processo penal, a falta de defesa constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só o anulará se houver prova de prejuízo para o réu".
Não existe defesa (muito menos ampla) durante a investigação, que é a fase administrativa da persecutio criminis. Mas isso não impede que o suspeito ou indiciado (ou mesmo a vítima) venha requerer provas (CPP, art. 14). De qualquer modo, não existe obrigatoriedade de deferimento nem tampouco direito líquido e certo de participação (das partes) nelas.

EM QUE CONSISTE O PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA (CF, ART. LVII)?

O correto é falar em princípio da presunção de inocência não princípio da não-culpabilidade (que tem origem no fascismo italiano).

Do princípio da presunção de inocência ("todo acusado é presumido inocente até que se comprove sua culpabilidade") emanam duas regras:

(a) probatória: cabe a quem acusa o ônus de provar legalmente e judicialmente a culpabilidade do imputado. Esta parte do princípio está na Convenção Americana sobre Direitos Humanos (art. 8º) e no Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (art. 14). Não existe presunção de veracidade dos fatos narrados, leia-se, não existe confissão ficta no processo penal, nem sequer quando o acusado não contesta os fatos descritos na peça acusatória.
(b) regra de tratamento: o acusado não pode ser tratado como condenado antes do trânsito em julgado final da sentença condenatória (CF, art. 5º, LVII).
O acusado pode ser preso durante o processo? Sim, pode o acusado ser preso durante o processo, desde que o juiz fundamente a necessidade concreta da prisão cautelar. Não fere nenhum princípio constitucional essa prisão cautelar se devidamente fundamentada em fatos concretos reveladores da necessidade da medida restritiva.

Diz a súmula 9 do STJ que "a exigência da prisão provisória, para apelar, não ofende a garantia constitucional da presunção de inocência". Essa súmula hoje deve ser entendida do seguinte modo: a prisão cautelar para apelar não ofende o princípio da presunção de inocência quando há motivo concreto que justifique a decretação da medida provisória.

EM CONSISTE O PRINCÍPIO DA VERDADE REAL OU DA VERDADE PROCESSUAL?

No processo penal importa descobrir a realidade (a verdade) dos fatos. Para isso o juiz conta com poder de iniciativa complementar de provas, nos termos do art. 156 do CPP ("o juiz poderá, no curso da instrução ou antes de proferir a sentença, determinar, de ofício, diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante".
Vigora, por isso, a regra da liberdade de provas, isto é, todos os meios probatórios em princípio são válidos para comprovar a verdade real.

Esta regra é absoluta ? Não. Existem exceções e restrições:

(a) prova ilícita - são as provas obtidas por meios ilícitos, isto é, que violam regras de direito material. Não são admissíveis no processo - CF, art. 5º, inc. LVI. Ex.: prova mediante tortura, carta interceptada criminosamente (CPP, art. 233), interceptação telefônica sem ordem de juiz etc.
Exceção: prova ilícita em favor do réu, por força do princípio da proporcionalidade (explica-se: entre a inadmissibilidade da prova ilícita e o respeito à presunção de inocência, deve preponderar esta).
(b) prova ilícita por derivação: provas ilícitas derivadas são também inadmissíveis. Ex.: tudo que decorre diretamente de uma interceptação telefônica ilícita. Vigora aqui a regra dos frutos da árvore envenanada (fruits of the poisonous tree). O STF vem acolhendo essa doutrina, com a seguinte observação: ela deixa de ser declarada nula quando existe prova autônoma suficiente para a condenação.

Exceção: prova ilícita derivada em favor do réu.

(c) prova ilegítima - são as provas colhidas com violação a normas processuais. Ex.: busca domiciliar fora da situação de flagrante sem ordem do juiz; depoimento de testemunha impedida de depor (p.ex.: o padre - CPP, art. 207).
(d) Art. 475 do CPP - diz respeito às provas nos julgamentos pelo Tribunal do Júri. Todas as provas e documentos devem ser juntados ao processo com três dias de antecedência do julgamento;
(e) Art. 207 do CPP: não pode depor quem tem o dever de guardar sigilo.; art. 155, 406 etc. r
Diante de tantas exceções e restrições, melhor hoje é falar em princípio da verdade processual (que é a verdade produzida no processo e tão-somente a que nele pode ser concretizada).

EM CONSISTE O PRINCÍPIO DA OBRIGATORIEDADE DA AÇÃO PENAL PÚBLICA?

O Ministério Público na ação penal pública é obrigado a agir, quando há justa causa (isto é, fumus boni iuris, que significa prova do delito e indícios de autoria). Presente a justa causa, forma-se a opinio delicti e cabe a ele peremptoriamente denunciar (CPP, art. 24).

Princípio oposto: é o da oportunidade, que vigora na ação penal privada.

Exceções ao princípio da obrigatoriedade da ação penal pública:

(a) transação penal - Art. 76 da Lei 9.099/95 - hipótese em que o Ministério Público faz acordo com o autor do fato, em lugar de denunciá-lo. Aqui se fala no princípio da oportunidade regrada;
(b) art. 37, IV, da Lei 10.409/02 (Nova lei de tóxicos): princípio da oportunidade controlada (cf. no site www.ielf.com.br nosso curso sobre a Nova Lei de Tóxicos);
(c) quando o fato é só formal ou aparentemente típico, porém, não materialmente. Exemplo: casos de absoluta insignificância (princípio da insignificância - mínima non curat praetor), adequação social, ausência da imputação objetiva da conduta ou do resultado, inocorrência de resultado jurídico relevante etc. (cf. neste site nosso Curso de direito penal).

EM QUE CONSISTE O PRINCÍPIO DA INDISPONIBILIDADE DA AÇÃO PENAL PÚBLICA?

Art. 42 do CPP diz que iniciado o processo o Ministério Público não poderá dispor da ação penal, ou seja, não pode abrir mão da persecução penal já andamento. Mas pode pedir absolvição do acusado nas alegações finais? Sim (porque, afinal, acima de tudo, o MP atua como custos legis).

O MP também não pode desistir de recurso que ele interpôs (CPP,art. 576).

Exceção: suspensão condicional do processo - Lei 9.099/95 .

EM CONSISTE O PRINCÍPIO DA OFICIALIDADE?

Os órgãos encarregados da persecução penal (polícia judiciária, ministério público, juízes) são, em regra, oficiais. Mas isso não significa que não possa haver investigação privada (porém, nesse caso, tudo que for apurado depois é entregue ou à Polícia ou ao Ministério Público) ou ação penal privada (promovida pela vítima).

EM QUE CONSISTE O PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE?

O processo e os atos processuais são públicos, em regra (CF, art. 5º, inc. LX e CPP, art. 792). Respeita-se a publicidade interna (para partes) e externa (para o público em geral). De qualquer modo, não viola o princípio da publicidade o fato de a audiência ser realizada a porta fechada (não trancada), por causa do ar-condicionado (RT 694, p. 340).
Este princípio não é absoluto, pois é possível restringir a publicidade do processo em casos especiais (cf. Art. 792 do CPP, parágrafo 1º). Não há publicidade externa na investigação preliminar. Quanto ao inquérito policial vigora o art. 20, que diz ser ele sigiloso.

EM QUE CONSISTE O PRINCÍPIO DA IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ?

Consiste no seguinte: o juiz que preside a instrução deve ser o mesmo que profere a sentença.


Este princípio não vigora no processo penal (também por isso é que não há impedimento de se realizar o interrogatório por precatória). É típico do processo civil.
Mas há situações no processo penal em que ele acontece como conseqüência do próprio sistema jurídico. Por exemplo: juiz que preside o julgamento no Tribunal do Júri será o mesmo que vai sentenciar. Nesse caso, de forma indireta, o princípio acaba sendo observado. Mas não intencionalmente, sim, como conseqüência natural do procedimento ou do ato.
Dá-se a mesma coisa nas hipóteses de audiência concentrada (lei de tóxicos, v.g.) em que o juiz preside a audiência e imediatamente sentencia. Nessa hipótese, se ele não sentenciar prontamente, outro juiz poderá disso se encarregar (RTJ 156, p. 99).

EM QUE CONSISTE O PRINCÍPIO DA IMPARCIALIDADE DO JUIZ?

Não há jurisdição sem imparcialidade. O juiz deve ser imparcial, neutro em relação às partes.
O juiz conta com garantias especiais (vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de vencimentos) justamente para ser imparcial.
Havendo dúvida sobre a parcialidade do juiz, cabe exceção de suspeição. Cabe também exceção no caso de impedimento ou de incompatibilidade (arts. 252, 254 e 112 do CPP).

EM QUE CONSISTE O PRINCÍPIO DO DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO?

Assegura no âmbito criminal o direito de apelar sempre; significa ademais que as provas e os fatos podem ser revistos em outra instância (CADH, art. 8º, 2, "h").
Exceção: está nos processos de competência originária dos Tribunais (não há aqui direito de apelação). É constitucional? Creio que não por violar a garantia do duplo grau fixada na CADH (art. 8º citado).
No CPP o assunto vem disciplinado pelo art. 594, segundo o qual só poderia apelar em liberdade o acusado primário e de bons antecedentes.
Hoje a jurisprudência vem interpretando o art. 594 da seguinte maneira: (a) se o acusado respondeu ao processo em liberdade, pode apelar em liberdade, salvo motivo superveniente que justifique concretamente a prisão preventiva; (b) se o acusado respondeu ao processo preso, em princípio, irá apelar preso, salvo se ausentes os motivos da prisão cautelar. Inclusive no caso de crime hediondo, porque a lei dos crimes hediondos (lei 8.072/90, art. 2º, § 2º) permite que o condenado apele em liberdade, quando ausentes os motivos da prisão cautelar.

Psicologia Jurídica: Sua inserção na atualidade

Patrícia Stankowich
E-mail:pstankowich@hotmail.com

É especialista em Psicologia Jurídica pela Faculdade de Alagoas (FAL - AL), bacharel em Filosofia pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP - MG), graduanda do curso de Psicologia do Centro de Estudos Superiores de Maceió (CESMAC), e ex-professora da disciplina Filosofia do Direito na Sociedade de Ciências Sociais e Jurídicas de Maceió (FAMA - AL).

Resumo

Nesse trabalho iremos delinear algumas das feições da violência e sua idiossincrasia nos tempos atuais, correlacionado-a ao contexto das ciências jurídicas e psicológicas. Sabemos ser necessário uma investigação mais acurada para melhor dimensionar e registrar as variadas faces da violência na atualidade, concomitante à característica e finalidade da psicologia jurídica nesse contexto. Não tivemos a intenção de auferir mudanças no sistema judiciário, mas, somente questionar a importância da junção dessas duas ciências no ordenamento e produção das regras normativas da sociedade.
Lá bem no alto do décimo segundo andar do Ano
Vive uma louca chamada Esperança
E ela pensa que quando todas as sirenas
Todas as buzinas
Todos os reco-recos tocarem
Atira-se
E
-ó delicioso vôo!
Ela será encontrada miraculosamente incólume na calçada,
Outra vez criança...
E em torno dela indagará o povo:
Como é teu nome, meninazinha de olhos verdes?
E ela lhes dirá
(É preciso dizer-lhes tudo de novo!)
Ela lhes dirá bem devagarinho, para que não esqueçam:
O meu nome é ES-PE-RAN-ÇA...


Mário Quintana

Introdução

“Vivemos um tempo paradoxal, uma sociedade paradoxal, um mundo paradoxal” (TRINDADE, Internet), onde valores estão sendo refeitos, certezas perdidas, e, as noções sobre família, educação, limites, normas coercitivas, enfim as noções sobre o certo e o errado, o bem e mal, estão sem parâmetros. A violência anda a espreita. A crise da modernidade recente parece ser a violência desmedida, sem justificativas, sem cometimentos, sem medo e receios. Devemos nos perguntar: Onde iremos parar? E onde, e como, encontrar recursos para entender e amenizar o problema?
Nossa investigação sobre a questão da violência e da criminalidade, e o encaminhamento da justiça na resolução desses problemas, nos mostra a real necessidade da multidisciplinariedade para melhor resolver e prevenir certas condutas. O Direito necessita do suporte e das definições psicológicas para enriquecer e ratificar suas diretrizes e seu encaminhamento na tarefa de melhor regular as condutas em sociedade.

A violência na atualidade e suas idiossincrasias

O grande problema da atualidade consegue atingir indivíduos em diferentes níveis e classes sociais. A violência encontra-se disseminada; são assaltos, homicídios, estupros, depredações, e, onde à primeira vista deveria ser o lugar mais seguro e acolhedor, é onde está a acontecer os maiores abusos e violações de práticas anti-sociais. São nos lares que estão acontecendo toda uma série de condutas criminosas que assustam cada vez mais; espancamento de mulheres e crianças, abusos e explorações de toda forma, inclusive as sexuais. Jock Young (2002, p. 67) nos diz que “O crime, ou desvio, não é uma coisa ‘objetiva’ (grifo do autor) que lá está, mas um produto de definições socialmente criadas: o desvio não é inerente num item de comportamento, mas é aplicado a ele pela avaliação humana.”
Vemos que a idiossincrasia da violência nos indivíduos da atualidade não é um fenômeno meramente da violência deflagrada nas ruas, nas favelas, nas penitenciárias e até nos estádios. Não é somente um ato tétrico de desamor entre os seres humanos; não se configura somente nos assaltos, seqüestros, chacinas e espancamentos gratuitos justificados como preferência de um time ou lugar. É, sobretudo um fenômeno psicossocial com uma sucessão de fatores e suas conseqüências. Essa violência estigmatizada pela falta de segurança nas ruas, pelo enorme abismo que aumenta a cada dia entre ricos e pobres, entre ignorantes e cultos, entre bons e maus; possui um fator preponderante que está submerso na aparência da criminalidade e violência e em suas tentativas de abrandamento. Essa violência está oculta e gerando enormes conflitos em todas as representações sociais da modernidade; é a falta de emprego na sociedade capitalista e apelativa para o consumo exagerado onde se é melhor e mais aceito quando se tem mais, quando se é mais atraente, mais rico e bem sucedido; onde a família não pode fornecer parâmetros de conduta e aceitação das normas porque está falida, visto não se constituir em uma estrutura monoparental com limites e normas bem definidos. Essa desvalorização ao máximo do outro, essa concorrência desleal; esse aprofundamento das diferenças sociais e culturais, a corrupção e falta de decoro e atitudes éticas nas instâncias de administração pública, fomentam esses conflitos externos que possuem determinantes efetivos nos conflitos internos. Como nos diz Cancelli (2001, p. 95):
[...] procurava-se uma simbiose entre a ciência e o Direito, a fim de que a ciência pudesse responder às indagações sobre os supostos segredos íntimos da personalidade do criminoso em todas as fases do ciclo judicial: a instrução, o julgamento e a execução. Ou que apontasse os fatores determinantes de delinqüência: a hereditariedade, a constituição biológica, as anomalias de inteligência e caráter, as psicopatias, a epilepsia, as intoxicações, os traumatismos, as doenças infecciosas, as anomalias físicas ou a ação do meio social.
Nessa interdisciplinaridade entre ciência que estuda o comportamento humano e ciência que erige regras para essa conduta; vimos que as normas, as leis, e o próprio judiciário, sente a cada dia a necessidade de conceitos e determinações psicológicas para instauração da norma, da efetiva sanção para as causas do crime e da violência. Ou seja, partir da análise do criminoso para entender o crime.
Na atualidade: “O direito penal, [...] obedecendo aos princípios do respeito à pessoa e liberdades humanas, revela a preocupação da autoridade judicial em considerar com polidez e senso mais humanitário os criminosos” (Foucault, 1987). Podemos nos perguntar se essas mudanças realmente tornaram a sociedade atual mais justa, humanitária, e com mais igualdade na oferta dos direitos e deveres aos cidadãos que procuram respeitar os códigos morais, para uma saudável convivência em sociedade.

A Psicologia e suas características

A violência, além de ser um problema social, de medidas públicas, de estratégias políticas, administrativas e culturais para seu enfrentamento; torna-se uma questão das ciências que procuram estudar e entender o comportamento humano. O saber da psicologia sob a égide do estatuto científico nos proporciona esse acalento. Fazer prevenção, diagnósticos e prognósticos sobre a conduta e o comportamento dos homens.
Diante desse saber, dessa conceituação epistemológica, sentimo-nos mais seguros, mais amparados “cientificamente” para elaborar afirmações e conceituações sobre condutas que tornam complicadas e assustadoras – e cada dia mais – o convívio em sociedade. Nesse contexto, vemos a relevância da Psicologia na junção de outras ciências, outros saberes, para uma melhor e mais humanitária elaboração e aplicação das normas coercitivas; de um melhor entendimento das anomalias da alma humana.

Finalidade da Psicologia Jurídica

Ainda há muito que se fazer, muita estrada a percorrer. A psicologia jurídica enquanto conhecimento independente, autônomo e imprescindível, possui ainda uma grande muralha a derrubar. São preconceitos, noções e condutas que precisam ser superadas na tentativa de compreender a real importância dessa disciplina. De um lado, temos o direito no seu “castelo encantado” de verdades irrefutáveis, superiores e infalíveis; e de outro, a psicologia, em sua recente conquista de um lugar no mundo da ciência, causando ainda desconfiança e insegurança em suas conceituações devido à fragmentação de suas diversas correntes.
A superioridade da justiça não permite que conhecimentos alheios se tornem sua aliada, sua parceira na condução das tomadas de decisões no julgamento das condutas humanas. Sendo assim, resta à psicologia jurídica – enquanto uma disciplina construída na sombra de um saber científico dissidente, fragmentado em suas verdades teóricas – ser o compilador de duas teorias que possuem o destino comum: compreender e regular o comportamento humano; e que, se diferenciam originalmente em suas raízes epistemológicas. O direito possui raízes mais profundas e antigas, seu surgimento se consubstancia no alicerce da civilização ocidental com a cultura romana, e a psicologia, somente possui o reconhecimento e a nomeação de um status científico na segunda metade do século XIX, tratando a princípio, de uma investigação fisiológica dos fenômenos da consciência. No entanto, “é fácil constatar que o direito e a psicologia possuem um destino comum, pois ambos tratam do comportamento humano”. (TRINDADE, Internet).
A ciência do direito se embrenhou em seu pântano de superioridade nos discursos, saberes e ações que não permite a nenhuma outra ciência humana uma interferência nas suas conceituações. Ainda assim, Direito e Psicologia apesar do distanciamento epistemológico, no fundo se convergem, pois que:

a psicologia e o direito parecem dois mundos condenados a entender-se. A psicologia vive obcecada pela compreensão das chaves do comportamento humano, enquanto o direito é o conjunto de regras que buscam regular esse comportamento, prescrevendo condutas, modos de comportamento, de acordo com os quais se deve plasmar o contrato social em que se sustenta a vida em sociedade.[1]

Na atualidade, com mudanças ocorrendo em todos os níveis da sociedade tanto no meio cultural, econômico, político e científico, como no alicerce das civilizações que conduzem a essas mudanças; estamos presenciando uma crise de conflitos e valores tomando cada dia uma maior complexidade. Está ocorrendo uma desestruturação nos valores básicos que são imprescindíveis para a formação de um indivíduo saudável. Afeto, disciplina, comportamento ético, relacionamentos amigáveis e com respeito, enfim, as noções básicas entre “bem” e “mal” não participam mais da dinâmica familiar. Está acontecendo sim, uma desestruturação nas famílias: exclusão social, falta de oportunidades no mercado de trabalho, relações agressivas entre os pais, violência e abusos contra as crianças, e, mais uma gama de fenômenos que contribuem para esses conflitos: desrespeito às pessoas, desrespeito às normas, má formação na personalidade e deficiências afetivas. Todas essas questões se correlacionam ao aumento da violência e criminalidade e, a real necessidade de uma mudança nos paradigmas científicos, se faz urgente na tentativa de combater ou ao menos apaziguar os conflitos do homem no meio social. Segundo Trindade:
O mundo moderno necessita superar o âmbito das disciplinas e do fazer separado responsável pelas abordagens reducionistas, tanto do ser humano, como da vida e do mundo. A crise da ciência é uma crise pós-disciplinar. Um saber individualizado e disciplinário já não possui vez num mundo marcado pela complexidade e pela globalização. O tempo da solidão epistemológica das disciplinas isoladas, cada qual no seu mundo e dedicada ao seu objeto próprio, pertence, senão a um passado consciente, pelo menos a um tempo que deve urgentemente ser reformado em nome da própria sobrevivência da ciência [...] A psicologia jurídica, em particular, pode auxiliar a compreender o hommo juridicus, e a melhorá-lo, mas também pode ajudar a compreender as leis e as suas conflitualidades, principalmente as instituições jurídicas, e melhorá-las. Afinal de contas, a história do homem e de suas instituições constitui um caminhar para o infinito, “locus” noumênico onde a metáfora autoriza o encontro com a verdade e com a justiça.[2]

A relação entre a Psicologia e o Direito, e a atual necessidade do poder judiciário de um suporte psicológico no encaminhamento das suas decisões, foi o que podemos constatar no estudo da violência e suas diversas feições na atualidade; somente assim, vai ser possível entender, prevenir, e melhor sancionar decisões punitivas para a criminalidade recente.

Considerações Finais

No enredo desse trabalho, procuramos superficialmente apresentar a necessidade da junção dos saberes e ações no encaminhamento das decisões judiciais. Em nenhum momento, nos detivemos na análise das características das leis e de suas sanções, visto não nos sentirmos preparados para tal e por não se tratar da nossa formação; preocupamo-nos somente em apontar a real necessidade da multidisciplinaridade corroboradas com a afirmação de alguns autores. Nesse ínterim, entendemos que erigir regras e normas que focalizem uma diretriz para a conduta humana é complexo e delicado; devemos distinguir tempo, lugar, causa e conseqüência nas normas jurídicas de uma determinada cultura, de um determinado povo, de uma determinada civilização.
No entanto, de forma mais abrangente, a cultura ocidental revela essa preocupação e esse intuito. A discussão da interdisciplinaridade nas ciências psicológicas e jurídicas parece ser o caminho possível para o mundo globalizado da tecnologia, do avanço científico, das reformas políticas e sociais, da cultura e da arte; mas também da criminalidade e violência, do abuso, dos maus tratos e da injustiça sem justificativas e cometimentos, sem causa e explicações, mas principalmente, sem um modo correto de proceder, sem instrumentos que possibilitem ao ordenamento jurídico melhor entender e sancionar frente às novas situações surgidas.
Estamos numa era de conflitos, perda de valores, insegurança, violência, discriminações de toda espécie, diferenças profundas entre as classes sociais, entre ricos e pobres, entre cultos e ignorantes, entre negros e brancos, desprivilegiados e privilegiados do poder econômico e seus detentores. Ao seu lado, está o medo e a falta de oportunidades clamando por um pedido de socorro; um melhor e mais humanitário entendimento dessa violência, do crime e da desordem de forma geral.
Diante essas colocações, entendemos que a multidisciplinaridade torna-se importante e necessária, visto que o papel da Psicologia seria de assessoria na condução da dinâmica da lide judiciária, e, cumpriria o nobre papel de facilitador no entendimento mais integrado e humano do ato jurídico

Referências

CANCELLI, Elizabeth. A cultura do crime e da lei: 1889 –1930. Brasília: Universidade de Brasília, 2001.

FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. Trad. Raquel Ramalhete. Petrópolis: Vozes, 1987.

TRINDADE, Jorge. Multidisciplinariedade: Interfaces entre Direito e Psicologia. Disponível em: <http://www.jorgetrindade.com.br/>. Acesso em Out. 2005.

YOUNG, Jock. A sociedade excludente: exclusão social, criminalidade e diferença na modernidade recente. Trad. Renato Aguiar. Rio de Janeiro: Revan: Instituto Carioca de Criminologia, 2002.

[1] Ibid., p. 2,3. (ARCE, R; PRIETO, A; SOBRAL FERNÁNDEZ, J. Manual de psicologia jurídica. Barcelona: Ediciones Piados Ibérica, 1994).
[2] op. cit., p. 3, 13.